Após o Canal Hipócritas, que possui mais de meio milhão de inscritos no Youtube, publicar um vídeo dotado de irreverência sobre Thiago Morastoni (MDB), o vereador de Itajaí e candidato a deputado estadual imediatamente entrou com um pedido de censura ao vídeo na Justiça Eleitoral.
O juiz auxiliar Jaime Pedro Bunn julgou o pedido improcedente, pois entendeu que o vídeo não é ofensivo, e que os motivos apresentados não justifica a remoção do conteúdo, já que faz parte do jogo político-democrático que “eleitores possam divulgar informações sobre os candidatos, especialmente suas opiniões, pretéritas ou atuais, sejam elas positivas ou negativas, e informações sobre quem já prestou ou recebeu apoio”.
Essa é a terceira vez durante o período eleitoral que o candidato tenta, sem sucesso, censurar publicações feitas a seu respeito. Anteriormente, um cidadão e um jornal de Itajaí foram alvos da tentativa de censura, mas os pedidos também foram julgados improcedentes.
Veja o vídeo do Canal Hipócritas:
Confira a decisão na íntegra:
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0602033-09.2018.6.24.0000 – Florianópolis – SANTA CATARINA
RELATOR: JUIZ JAIME PEDRO BUNN
REPRESENTANTE :THIAGO DA SILVA MORASTONI
ADVOGADO :FELIPE NAVAS PROSPERO – OAB/SC35711
REPRESENTADO :GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.
REPRESENTADO :FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.
DECISÃO
ELEIÇÕES 2018 – REPRESENTAÇÃO – DECISÃO MONOCRÁTICA – JUIZ AUXILIAR – PROPAGANDA ELEITORAL – INTERNET – YOUTUBE – WHATSAPP – FACEBOOK – VÍDEO OFENSIVO – TUTELA DE URGÊNCIA – ART. 300 CPC – PEDIDO DE LIMINAR PARA REMOÇÃO – JULGAMENTO DE MÉRITO ANTECIPADO – ART. 355, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – VÍDEO – OFENSA À HONRA – INOCORRÊNCIA – CONTEÚDO HUMORÍSTICO – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – POSIÇÃO PREFERENCIAL (PREFERRED POSITION) – IMPROCEDÊNCIA.
THIAGO DA SILVA MORASTONI, candidato ao cargo de Deputado Estadual, representou, com pedido liminar, em face de GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., ao argumento de que “Canal Hipócritas”, existente no Youtube, veiculou vídeo que entende ofensivo nas plataformas Representadas e na do Whatsapp, identificados pelas URLs https://www.youtube.com/watch?v=BVTCoPmufK8, https://www.facebook.com/100009175247533/videos/2101159446866543/ e https://web.whatsapp.com/stream/video?key=false_554799480040-1513109956@g.us_4AB9F6FDC02ACB5B33E379965876BA8E_554799554005@c.us, respectivamente.
Argumentou que a gravação ultrapassa os limites da liberdade de expressão, uma vez que insinua a existência de irregularidades na Administração Pública Municipal de Itajaí, onde seu pai é Prefeito, fazendo analogia entre a sua família e a de “Don Corleone”, chamando a si e a seus familiares de “quadrilheiros”, como se corruptos fossem, além de simular a contagem de 1.100 carros adesivados em seu favor, equivalente ao número de cargos comissionados existentes naquele Município.
Por fim, após expor as razões de fundamentação que entendeu pertinentes, requereu a concessão de decisão liminar para determinar que os Representados se abstenham de “veicular qualquer matéria, notícia, postagem em redes sociais e afins, que contenham informações acerca dos fatos narrados acima, bem como removam aqueles já publicados”, a remoção dos links mencionados e, em relação ao Whatsapp, o bloqueio do vídeo e identificado o primeiro terminal que o compartilhou, a fim de se saber a autoria, com a concessão do direito de resposta.
Em razão do pedido de tutela provisória de urgência formulado na petição inicial, não se procedeu à notificação imediata dos Representados, vindo o feito concluso nos termos do art. 8º, § 5º, da Resolução TSE nº 23.547/2017.
Decido.
Acerca da pretensão liminar, a matéria se vê envolvida pelo mérito, sendo com ele apreciada, nos termos do art. 355, I, c/c art. 15 do CPC.
Após assistir ao vídeo nos links informados para Youtube e Facebook, sinto que o seu conteúdo não é, data venia, ofensivo, na medida em que se trata de mera gravação dotada de irreverência.
Isto porque, primeiro, já na abertura do vídeo há a informação de que se trata de “fake news”, quando um dos apresentadores diz “Fala galera esse é o fake news nas ruas. Meu nome é Tadeu Bonner e esse é o primeiro quadro, denunciando hipócritas.”, se utilizando, inclusive, do nome de conhecido apresentador de jornal televisivo (grifei). Segundo, quando os apresentadores falam as expressões que o Representante apontou como ofensivas, dão a entender que se equivocaram para, em seguida, corrigirem para a fala correta, com ocorreu, por exemplo, na seguinte: “(…) herdeiro e o primeiro na linha de sucessão do Dom Corleone, é, quer dizer, do Volnei Morastoni (…).
A própria contagem de veículos adesivados coincidente com o número de cargos comissionados naquele Município já revela, por si só, a troça existente.
Sobre o canal apontado como responsável pelo vídeo impugnado, é sabido que possui viés satírico, como já dito pelo Tribunal Superior Eleitoral em julgamento referente a gravação de mesmo estilo envolvendo candidato à Presidência da República, afastando a alegada ofensividade por conta do humor existente (TSE, Rp n. 0600969-30.2018.6.00.0000/DF, rel. Min. Carlos Bastide Horbach, j. em 5/9/2018).
Assim, não vislumbro, no mérito, o alegado conteúdo ofensivo a justificar a retirada da publicação, fazendo parte do jogo político-democrático que eleitores possam divulgar informações sobre os candidatos, especialmente suas opiniões, pretéritas ou atuais, sejam elas positivas ou negativas, e informações sobre quem já prestou ou recebeu apoio.
Neste sentido, destaco voto proferido pelo Min Ayres Britto na ADI n. 4.451:
“[…]
Sabido que é precisamente em período eleitoral que a sociedade civil em geral e os eleitores em particular mais necessitam da liberdade de imprensa e dos respectivos profissionais. (…) Até porque processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a nossa Constituição toma como fato gerador de ‘restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei’ (inciso III do art. 139).
[…].” (STF, ADI n. 4.451 MC, rel. Min. Ayres Britto, j. em 2/9/2010, grifo no original)
Ademais, sabe-se que mandatários de cargos públicos eletivos estão muito mais suscetíveis aos dissabores da opinião pública do que o cidadão comum, sendo esperado, portanto, que suportem uma carga maior de opiniões negativas.
Exatamente por isto já decidiu o TSE que “as figuras públicas estão mais sujeitas a especulações, são alvos frequentes de notícias, mas, por isso mesmo, a exposição favorável ou desfavorável deve ser apreciada com maior tempero do que em relação ao homem comum” (AgR-AC n. 2256-58.2010.6.00.0000, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 25/8/2010).
Se um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre e tem como fundamento, entre outros, a cidadania, não há lugar para censurar a veiculação em causa, oriunda da liberdade de manifestação do pensamento, pilar hígido da democracia, a exemplo do de eleições livres, ao que serve, basicamente, a informação dirigida aos eleitores, a bem da melhor escolha dentre as pessoas candidatas, partidos e coligações que se apresentam, dado o também mandamento constitucional previsto no parágrafo único do art. 1º, por conta do que devem saber da amplitude da sua exposição, sempre e permanentemente, a críticas, opiniões e ataques de toda sorte, sem se negar à absorção.
Em suma, reconhecendo posição preferencial ao direito constitucional de liberdade de expressão, entendo descabida a remoção do vídeo impugnado conforme, inclusive, orientação do TSE manifestada em recentes decisões:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. CRÍTICA A ATOS DE GOVERNO. POSIÇÃO PREFERENCIAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SEUS COROLÁRIOS NA SEARA ELEITORAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO ATACADA. DESPROVIMENTO.
1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se e suas exteriorizações (informação e de imprensa) ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades.
2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016).
3. A exteriorização de opiniões, por meio da imprensa de radiodifusão sonora, de sons e imagens, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, faz parte do processo democrático, não podendo, bem por isso, ser afastada, sob pena de amesquinhá-lo e, no limite, comprometer a liberdade de expressão, legitimada e legitimadora do ideário de democracia. (grifei)
(…) (AgR-RESPE n. 198793/AP, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.10.2017)
Por fim, uma vez reconhecida a licitude do vídeo publicado, incabível o deferimento do direito de resposta pretendido.
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos, fundado no art. 355, inciso I, c/c art. 487, inciso I, ambos do Código de Processo Civil.
Intimem-se.
Dê-se vista ao Ministério Público Eleitoral.
Após, nada sendo requerido, arquive-se.
Florianópolis, 05 de outubro de 2018.
JAIME PEDRO BUNN, Juiz Auxiliar