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Moradores de rua em BC: crise nas ruas expõe contradições entre o discurso e a prática

Vídeo da prefeita Juliana Pavan gera críticas sobre abordagem social; comerciantes relatam ameaças e insegurança

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A presença de moradores de rua dormindo em frente a comércios e ameaçando comerciantes na região da rodoviária de Balneário Camboriú expôs a divergência entre o discurso adotado pela prefeita Juliana Pavan nas redes sociais e a realidade enfrentada nas ruas da cidade.

“A situação piorou”: relatos de comerciantes sobre a abordagem social

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O comerciante Luís, que preferiu não revelar seu nome completo e nem o nome de seu estabelecimento por medo de represálias, relatou que a presença de moradores de rua sempre foi um problema na região, mas que a situação piorou drasticamente nesta temporada.

“Sempre teve naquela região… Mas nesta temporada, piorou drasticamente. Depois da troca da equipe da Abordagem Social, a situação se agravou. Agora, alguns dos agentes da abordagem vão atender os ‘noias’ e cumprimentam como se fossem amigos, batem mão, conversam, riem juntos. Só falta um perguntar pro outro: ‘Aí, mano, tem uma sedinha?'”, desabafou Luís.

O comerciante criticou a forma como a abordagem social vem sendo conduzida, afirmando que a equipe não está sendo firme e que, ao invés de atuar na remoção ou encaminhamento dessas pessoas para tratamento ou acolhimento, apenas interagem com elas sem apresentar soluções concretas.

Ameaças a comerciantes

Além do agravamento da situação, Luís relatou um episódio recente que demonstra a sensação de insegurança enfrentada pelos comerciantes da região. Segundo ele, um morador de rua estava dormindo na entrada do seu comércio e, ao tentar limpar o local, foi ameaçado pelo homem.

“Ficou me ameaçando… Eu queria lavar a frente da porta, ele achou ruim porque molhei ele”, relatou Luís.

Vídeo da prefeita Juliana Pavan abordando moradores de rua gera críticas de vereadores e chama atenção do Ministério Público

No dia 16 de fevereiro, a prefeita de Balneário Camboriú, Juliana Pavan (PSD), publicou nas redes sociais um vídeo que gerou grande repercussão, atingindo mais de 14 milhões de visualizações no Instagram. Na gravação, a prefeita aparece acompanhando pessoalmente uma ação de abordagem social, denominada “Operação Resgate a Vida BC”, direcionada a moradores em situação de rua.

No vídeo, Juliana aborda diretamente um jovem em situação de rua e questiona:

_”Se tu queres ficar na rua aqui em Balneário ou não? Tem saúde aí? Pensa um pouco, se tu quiseres ir pra Casa de Passagem, a gente dá acolhimento. Ou senão, tu pega e volta pra tua casa. Mas aqui na rua não. Eu tô aqui participando da operação Resgate a Vida BC. Essa operação tem a finalidade de resgatar pessoas que se encontram em vulnerabilidade social pelas ruas da nossa cidade. Dando oportunidade para que possam retornar ao seu local de origem, procurar tratamento e um acolhimento. E todo esse trabalho vocês acompanham a partir de agora”.

Em outro trecho, a prefeita questiona diretamente uma pessoa abordada: “Tu mora onde?”, obtendo como resposta: “No momento tô sem moradia”. Em seguida, Juliana pergunta sobre a origem dele e sua disposição em aceitar ajuda. O jovem responde ser de Rondônia e estar nas ruas há tempos. A prefeita insiste em uma solução imediata: “Vai pra Casa de Passagem hoje se tu quiser. Lá tu toma banho, troca de roupa, come. Para pra pensar um pouco. E se amanhã você aceitar, a gente faz encaminhamento para a clínica. Ela é aberta”.

No mesmo vídeo, a prefeita faz repetidas afirmações em tom mais rígido sobre a situação dos moradores de rua na cidade: “Na rua aqui em Balneário Camboriú, a gente não vai aceitar ninguém. Se quer estar na rua em Balneário, ou vai trabalhar, ou vai procurar ajuda.”

Apesar da grande audiência e dos diversos comentários favoráveis que recebeu nas redes sociais, a gravação despertou críticas de vereadores da Câmara Municipal e chamou atenção do Ministério Público. Os parlamentares consideraram a gravação como sensacionalista, argumentando que não trouxe soluções concretas nem políticas públicas efetivas para resolver a questão. A abordagem adotada pela prefeita também virou tema de uma audiência solicitada pelo Ministério Público, que classificou o vídeo como “policialesco e sensacionalista”, cobrando ações efetivas e estruturadas, além de respeito aos direitos fundamentais da população em situação de rua.

Ministério publico quer ações concretas e menos midiatismo

O Ministério Público, através da 6ª Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú, solicitou uma audiência de conciliação com a prefeita Juliana Pavan (PSD), secretários municipais e o comando da Guarda Municipal após uma operação polêmica envolvendo pessoas em situação de rua. O ponto central da crítica do MP é um vídeo divulgado pela prefeita nas redes sociais, classificado pelo órgão como “policialesco e sensacionalista”.

Segundo o promotor Álvaro Pereira Oliveira Melo, o objetivo é discutir o cumprimento de uma decisão judicial que proíbe a Guarda Municipal de realizar conduções forçadas durante abordagens sociais. O promotor conta que esse tipo de ação, centrada em ganhar repercussão e engajamento online, não resolve efetivamente o problema das pessoas em situação de rua. Para o Ministério Público, a cidade nunca teve uma estrutura adequada para atender essa população, seja na gestão atual ou nas anteriores. O MP aponta ainda que faltam vagas para internação compulsória e suporte psiquiátrico adequado, e que o município limita-se a ações midiáticas voltadas a “limpar as ruas”, sem adotar políticas sociais duradouras.

O promotor também alertou que abordagens superficiais, como a da prefeita, podem agravar o preconceito e estimular hostilidades contra essas pessoas, repetindo erros de gestões anteriores. O órgão defende ainda que o problema deve ser tratado com responsabilidade e pede a colaboração do Ministério Público Federal para uma solução conjunta e definitiva em nível estadual.

Vereadores criticam vídeo e cobram ações efetivas

Durante a sessão da Câmara de Vereadores da terça-feira, 25 de feverios, apóis a publicação do video da prefeita, parlamentares criticaram um vídeo publicado pela prefeita Juliana Pavan sobre a abordagem social de pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú. Para os vereadores, a gravação teve um tom agressivo e sensacionalista, sem apresentar soluções concretas para o problema.

O vereador Marzinho Miranda (PRD) afirmou que a questão da população em situação de rua não se restringe a Balneário Camboriú, mas é um problema nacional que precisa ser enfrentado de maneira séria e profissional.

“Nós temos hoje na cidade um problema ser enfrentado que é a situação das pessoas em vulnerabilidade e as pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú. Não só Balneário Camboriú, Santa Catarina e todo o Brasil tá passando por esse problema e esse é um problema que tem que ser debatido e enfrentado por todas as autoridades. Cada um vai defender o seu viés ideológico e político, mas o problema precisa ser resolvido com seriedade e profissionalismo e ser resolvido de maneira eficiente, uma discussão técnica e de uma vez por todas solucionar esse problema.”

Em relação ao vídeo divulgado pela prefeita, Marzinho criticou o tom adotado e a falta de uma política pública estruturada para enfrentar o problema.

“Eu particularmente não gostei do vídeo que a prefeita Juliana fez. Achei que foi um vídeo agressivo, achei que foi um vídeo desnecessário pro momento e faltou ali política pública pro enfrentamento.”

O vereador trouxe como exemplo um modelo de abordagem adotado na cidade de Marília (SP) e pediu que a prefeita considere essa referência para melhorar a atuação da administração municipal.

“Eu quero que coloque o vídeo, fazendo favor, porque eu quero que a prefeita… Como eu falei, tô fazendo uma oposição construtiva, até tô dando ideia. Eu quero que ela siga esse exemplo, certo? E que a gente deixe de lado as questões ideológicas e políticas e enfrente esse problema com seriedade, porque é isso que tem que fazer a Câmara, é isso que tem que fazer a Prefeitura.”

Ao exibir o vídeo do prefeito de Marília, Vinícius Camarinha, Marzinho destacou a diferença na abordagem.

“O prefeito Vinícius Camarinha traz aqui um lado humano. Essas pessoas ou têm pai, ou têm mãe, ou têm filho. Quem é bandido, que cometeu o crime, quem tem mandado de prisão, que vá, que seja preso. Mas são pessoas que têm problemas com vícios, com droga ilícita, não ilícita, com álcool, com cocaína, com qualquer coisa. Então vamos enfrentar esse problema de uma maneira séria, porque essas pessoas não são lixos. Merecem respeito e merece que a Câmara e a Prefeitura, enfim, o governo estadual, o governo federal, todo mundo…”

O vereador reforçou sua insatisfação com o tom midiático da ação.

“Então eu achei o vídeo sensacionalista, achei caça-like e não vi ali nada de retorno produtivo pra vida daquelas pessoas. Tem o resgate, eu conheço o trabalho do Pelica, tem o resgate, tem o seu Amarildo que estava em Itajaí, agora vai fazer um bom trabalho aqui em Balneário Camboriú também. Mas esse enfrentamento tem que ser feito pela classe política e por nós que temos aqui o nosso mandato junto com o prefeito, governador, presidente da República, deputado estadual, deputado federal. E que a gente veja nessas pessoas que têm uma vida, que ali tem filho, ali tem pai, ali tem mãe. O vício é um problema, o vício é um problema, tem que ser enfrentado de maneira séria e não com vídeo sensacionalista, caça-like e de Instagram e TikTok.”


O vereador Guilherme Cardoso (PL) apontou que, mesmo após a repercussão do vídeo da prefeita, a realidade nas ruas continua a mesma.

“A questão dos moradores de rua, o mesmo do vídeo da prefeita, a gente encontrou na esquina da Câmara com a mesma camiseta“.

Cardoso solicitou que a Câmara convide a nova diretoria da Abordagem Social para prestar esclarecimentos sobre o trabalho realizado na cidade.

“Sobre a abordagem social na cidade, se tiver oportunidade, gostaria de pedir ao líder do governo para trazer a nova Diretoria da Abordagem Social aqui na Câmara, para que possamos discutir esse assunto e encontrar formas de colaborar com esse trabalho.”

Mudanças na Abordagem Social e Histórico Polêmico

A Diretoria de Abordagem Social em Balneário Camboriú passou por alterações significativas logo no início de 2025. Em 9 de janeiro, a prefeita Juliana Pavan nomeou Peterson Alan Boll como diretor, porém, ele permaneceu no cargo por apenas três semanas, sendo substituído em 31 de janeiro por Amarildo Sartor.

Quem é Amarildo Sartor?

Amarildo Sartor, novo diretor de Abordagem Social de Balneário Camboriú, foi diretor do mesmo setor em Itajaí, entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024. Seu período na gestão em Itajaí ficou marcado pela polêmica “Operação Tadeu”, ocorrida em 31 de outubro de 2023, quando aproximadamente 40 moradores de rua foram retirados à força por policiais e abandonados às margens da BR-101, no sentido Balneário Camboriú.

Na época, a Secretaria de Assistência Social de Itajaí alegou desconhecer a operação e afirmou que não havia registro de atendimento a essas pessoas pela abordagem social na rodovia. Somente após ampla repercussão na imprensa é que a Prefeitura de Itajaí iniciou esforços para esclarecer a situação.

Um dos casos emblemáticos registrados pela nossa equipe nesta situação, envolveu um homem em situação de rua cujo paradeiro era desconhecido pela família havia anos. Após a divulgação dos vídeos dos moradores de rua de Itajaí terem sido jogados na divisa com Balneário, familiares entraram em contato conosco pedindo ajuda para levá-lo de volta para casa. Procurado pela equipe, Amarildo informou que a abordagem social de Itajaí enfrentava problemas burocráticos em licitações e não tinha condições de fornecer passagem de volta, uma prática já comum em Balneário Camboriú. Diante disso, nossa equipe se dispôs a pagar as despesas da viagem do homem em situação de rua e seu cachorro para Lebon Régis, levando Amarildo a afirmar posteriormente que ele e sua equipe levariam o homem de carro para casa, mas nunca recebemos o desfecho da história.

A “Operação Tadeu” foi alvo de fortes críticas dos moradores de Balneário Camboriú, que viram a ação como uma transferência irresponsável do problema entre municípios. Contudo, parte dos moradores de Itajaí defendeu que esta seria a única solução para uma situação que, segundo relatos, estava fora de controle na cidade.

A abordagem social foi também tema central nas eleições municipais de Itajaí. Robson e Rubens, candidatos eleitos pelo PL, criticaram duramente as ações do governo anterior, prometendo durante campanha eleitoral uma abordagem mais eficaz. Após assumirem, em janeiro de 2025, implementaram a operação “Recomeço”, ampliando as ações sociais de acolhimento em todos os bairros de Itajaí.

Com a mudança no comando político de Itajaí (saída do MDB e entrada do PL), Amarildo Sartor deixou o município e migrou para o governo de Juliana Pavan, em Balneário Camboriú. Inicialmente, assumiu a direção do Teatro Municipal Bruno Nitz e, logo em seguida, foi realocado como diretor da Abordagem Social.

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