O Diário Catarinense teve acesso ao Relatório Complementar da Polícia Federal que contém as transcrições e os áudios das conversas captadas durante a Operação Transparência.
No relatório de 86 páginas, estão relacionados 51 diálogos cujos participantes são os representantes da Arrows Petróleo do Brasil, Marcos Pegoraro e Eugênio Silva.
As conversas, que também envolvem outras pessoas relacionadas com a empresa, mostrariam, segundo a PF, que a partir do cancelamento do registro estadual da Arrows, os empresários passaram a buscar a intermediação do vice-governador Leonel Pavan (PSDB) para resolver o problema. Pavan é acusado de receber R$ 100 mil para atuar em favor da empresa.
Segundo o documento, inicialmente os áudios foram captados dentro da Operação Carga Pesada 2, que investigava uma rede de corrupção envolvendo policiais rodoviários federais e agentes públicos do Estado para evitar a fiscalização dos caminhões carregados com álcool combustível que entravam em Santa Catarina.
A inclusão do nome do vice-governador no processo ampliou o espectro das investigações e alterou a competência da autoridade judicial responsável. Nascia então, a Operação Transparência.
O DC teve acesso ainda a seis conversas telefônicas captadas pela Diretoria Estadual de Investigação Criminal (Deic), das quais quatro são de conversas entre Pavan e Vanderléia Aparecida Batista, então consultora jurídica da Secretaria de Desenvolvimento Regional de Itajaí e advogada da Arrows, e duas são de Vanderléia e Marcos Pegoraro.
Confira a seguir trechos das gravações
7 de fevereiro de 2009
Em razão de dívidas fiscais com o Estado e suspeita de sonegação de imposto, a Secretaria da Fazenda inscreveu a Arrows Petróleo do Brasil na dívida ativa e cancelou a autorização da empresa para a emissão de notas fiscais eletrônicas.
Foi também aberto processo para o cancelamento da inscrição estadual da Arrows. No dia 7 de fevereiro de 2009, às 20h49min, Marcos Pegoraro conversa com um amigo identificado como Paulo Rebelo sobre o cancelamento da emissão das notas fiscais eletrônicas da empresa e diz que tem “uma última carta”.
Pegoraro — Eu vou precisar de todas as forças aí, e estou juntando tudo o que eu posso, inclusive agora que tem outro titular no poder, que foi substituído, né?
Rebelo — Ahummmm
Pegoraro — A última carta é aquele, mas eu acho que é muito fraco para mim entendeu? Ooo Pavão, pavão ..
Rebelo — Tu acha fraco?
Pegoraro — Não sei. Tu acha que é forte?
Rebelo — Ele é o vice, né, cara. Aliás tu deu um azar danado, porque ele é o primeiro agora, dia seis segunda é ele, né.
Pegoraro — Não, assumiu, a transmissão foi ontem à noite, ontem à meia noite, lá no aeroporto de São Paulo, eu estou sabendo de tudo.
Rebelo — Mas é isso que eu estou falando assumiu dia seis.
Pegoraro — Mas eu posso pegar na segunda (09/02/2009), eu tenho um forte contato com ele, entendeu, ajudei.
Rebelo — Ah, é?
Pegoraro — Ajudei o filho dele no rali, ajudei na campanha dele.
7 de março
Em uma conversa interceptada em 7 de março, às 12h02min, Pegoraro e Eugênio conversam sobre o caso. Eugênio diz que agendou um encontro com Pavan.
Eugênio — Eu tô. Mas tô meio ocupado. Mas quando cê voltar, me chama. Apesar que … o seguinte, combinei com o Pavan. Segunda, nove e meia, eu tô aí. Eu vou subir amanhã à noite e volto na segunda… saio de lá seis horas da manhã.
Pegoraro — Tá. É… Tu vai tá aqui em Florianópolis ou Balneário Camboriú?
Eugênio — O Pavan ficou de definir se nós ia… se ele vai vim pro palácio ou nós vem aqui no palácio. Se ele for ficar em Camboriú ou se vai pra Camboriú, dai.
Uma hora depois, às 13h01min, Pegoraro conversa com Luciano Ribas Pinto, seu braço direito no esquema de comercialização de combustíveis. Ele confirma o encontro com Pavan.
Pegoraro — Eu já tô vendo tudo isso. Tá, Luciano? Eu já vi tudo isso. Essa vai ser… esse vai ser o caminho, tá? Mas eu vou dar uma notícia pra vocês hoje. Eu … recebi um rádio agora do Eugênio, tá? E amanhã tá chegando o Pavan… do cruzeiro dele e ele tá mordido com isso que tá acontecendo, tá? E segunda-feira, às nove e meia, eu tô com o Pavan na Secretaria da Fazenda… ali onde tá o Carlos Henrique (fiscal da Receita). Eu vou junto com ele, cara. E o bicho vai pegar, tá? Por isso que eu quero ter… eu preciso fazer aquilo lá que te falei antes de segunda-feira que, de repente, a gente reverte todo o quadro, tá? O bicho vai pegar. Agora, eu te garanto que a gente vai ter o produto na terça-feira, de uma maneira ou de outra.
Luciano — Beleza. É isso aí.
11 de março
No dia 11 de março, às 14h06min, Eugênio e Pegoraro conversam sobre o encontro que teria sido marcado com o vice-governador.
Eugênio — É, mas é assim, ele pediu para mim ir sozinho, de repente eu levo eles e daí… que nem ele falou: “Não o Wanderlei já me ligou ontem, e Eugênio, essas coisas eu não gosto de tratar com meu funcionário… agora como você tá me ligando, pode… amanhã eu tinha um compromisso, vou abrir esse outro compromisso pra ter receber lá 11 horas no gabinete… mas não atrasa, procure chegar… talvez depois nós almoça junto… mas venha você… entendeu?” Não fui eu que falei, né? Então nós podemos até ir e falar com ele e depois abrir pros outros…
Pegoraro — Combinado então Eugênio… o que tu decidiu aí, tá decidido… pra mim tá bem feito, tá? Eu vou chegar através do Pavan através de ti, entendeu? Me interessa agora resolver a situação… não atrapalhar mais, porque o seguinte ó, a qualquer momento minha inscrição pode sair do ar hoje, amanhã, entendeu? E quanto mais tempo a gente demorar, e mais tempo a gente enrolar o meio de campo… daqui a pouco complica muito, viu?
12 de março
No dia seguinte, 12 de março, às 12h56min, Pegoraro conversa com seu irmão Joel e comemora o resultado da reunião.
Pegoraro — Saí do gabinete do Pavan agora Joel, acho que.. Eu acho que acertei a minha vida! Não sei, né? Vamos ver o que vai acontecer… agora a tarde, né? Ele ligou na minha frente para o Gavazzoni que é o secretário da Fazenda e disse, olha aqui Gavazzoni, o assunto Arrows primeiramente, não faça mais nada e não mexa mais nada e venha na minha sala, tá? É gente da minha família, ninguém vai mexer com eles. Bem assim, na nossa frente. É lógico que vai ter as mordidas, né, mas isso é um outro detalhe. No gabinete dele ele me atendeu. Fui eu e o Eugênio lá. Acho que agora a coisa vai (..)
Joel — Só uma coisa Marco, não abre a boca de nada, desses encontros, nada, fica com isso pra ti, né?
Pegoraro — Não, não podemos falar nada, só pra ti que é meu irmão. Se a gente abrir a boca, nós nos queimamos com o Pavan, agora que ele abriu as portas.
Naquela noite, às 19h45min, Pegoraro conversa com o médico Armando Taranto Júnior, também sobre a reunião.
Pegoraro — Mas a reunião de hoje foi muito produtiva. Muito mesmo. Foi jogo muito aberto, tá? Foi escancarado na frente dele; ele brilhou os olhinhos, cem mil reais pro Pavan. Tudo dinheiro, tá? (…)
Taranto — Ah, pelo menos, por este lado aí, né, Marcos? Em pagar cinquenta ou cem.. tal.. mas se é como tu disse.
Duas horas depois, às 21h12min, Eugênio liga para Pegoraro.
Eugênio — Deixa eu te falar, eu tô com… aquela pessoa aqui. É .. preciso, amanhã.. você e o Genisson (filho de Eugênio) leve a metade daquele negócio pro filho dele. Até as dez e meia. Pode ir?
Pegoraro — Sem problema nenhum.
13 de março
No dia seguinte, 13 de março, às 9h31, Pegoraro conversa com um homem não identificado.
Pegoraro — Tô indo levar.. um negócio lá pro Pavan agora.
Mais tarde, às 13h23, Pegoraro liga para Jaderson Luis Schimidt, seu sócio na Arrows.
Pegoraro — Tava indo lá para fazer o acerto com o Pavan, ligaram para não ir mais.. que andaram dando três tiros, tiros no carro do Carlos Henrique essa noite.
Jaderson — Sério?
Pegoraro — Bem nessa hora que a gente está tentando resolver as coisas, né?
Jaderson — É, não é fácil, não.
18 de março
No dia 18 de março, por volta das 18h, Pegoraro liga para Cláudio Chilanti, prestador de serviços da Arrows. É neste dia que a PF alega que flagrou um encontro de Pavan, Pegoraro e Eugênio no Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis.
Pegoraro — Olha… Cláudio, a situação é assim ó: Eu vou buscar o Pavan às… vinte pras dez no aeroporto. Eu e o Eugênio. Então… nós vamos conversar com ele, né? Ou vai ou não vai.
Cláudio — Hoje isso?
Pegoraro — Hoje. O Eugênio chegou em Florianópolis, me chamou e… agora eu tô aqui em Balneário Camboriú com ele, depois eu vou voltar para lá para pegar o Pavan no aeroporto em Florianópolis e vim para Camboriú de novo. Programa de índio, mas fazer o quê? Faz parte.
Cláudio — Mas o que que você acha? Tá pra… tá para dar certo, então?
Pegoraro — Olha, eu tô com… eu tô com o presente dele comigo, entendeu? Ou vai ou racha. Eu vou arriscar: Tudo ou nada.
20 de março
Já no dia 20 de março, às 20h45min, Pegoraro telefona para Armando Taranto Júnior para falar sobre o contato com Pedro Mendes.
Pegoraro — Armando, a secretária do Pedro te ligou quando?
Taranto — Ô.. me ligou ontem, ontem, é… era começo da manhã, ontem.
(…)
Pegoraro — Agora, Armando, a gente não precisa chamar ele, tá? Porque é um pedido… ele mesmo falou.. “Não, isso ai é um pedido do senador” … ele chama o Pavan de senador, né? Então.. é um pedido mesmo, porque o Pavan chamou porque eu… eu fiquei impaciente… eu liguei pro Eugênio, o Eugênio ligou pro Pavan, né? (…) Só que não tem que acertar nada com ele. Tá tudo acertado com o Pavan, até porque eu já paguei.
30 de março
Às 17h31min do dia 30 de março, Pegoraro liga para Eugênio. Neste dia é publicado o cancelamento do registro da Arrows.
Pegoraro — Tá, fala depois com a Vanderléia, tá? Trataram nós que nem cachorro lá, e agora eu estou aqui junto, agora eu estou na Procuradoria do Estado aqui tá? Vim falar com o Brião, e tirei um documento, cancelaram a nossa inscrição estadual hoje. Você lembra que o Pavan disse para não cancelarem, né? Pode dizer para o Pavan, cancelaram a nossa inscrição estadual hoje, tá aqui eu tô com o documento na minha mão.
Eugênio — Cancelaram a inscrição e trataram o pessoal que nem… nem receberam para falar a verdade, né?
Diálogos de Leonel Pavan com a advogada Vanderléia
Em 31 de março, 10h06min, Vanderléia Aparecida Batista liga para o celular de Pavan.
Pavan — Qual é o problema de ontem? O que que houve lá?
Vanderléia — Ah tá! É que ontem é assim: ele perguntou se deu certo lá e eu falei que não e que inclusive a pessoa tinha sido muito grosseira (…)
Pavan — Ele, ele cancelou a inscrição?
Vanderléia — Foi cancelada a inscrição, mas a inscrição…
Pavan — Pelo…
Vanderléia — Não. Não sei se foi o dout… o senhor Ivo Zanoni não, eu acho que foi aí em Florianópolis que foi cancelada a inscrição. Aí agora corre o risco inclusive de se perder a inscrição junto a ANP né? Aí fica pior.
Pavan — Não! Me põe esses dados e manda e-mail pra mim agora? O que que pode acontecer e o que não pode?
Vanderléia — Sim senhor!
Pavan — Relata pra mim só. É exclusivo pra mim.
8 de abril
Em 8 de abril, às 21h20min, é interceptada uma nova ligação de Pavan para Vanderléia.
Pavan — Alô.
Vanderléia — Oi! É… Senador, tudo bem?
Pavan — Ah tá bom… Seguinte a situação da, da, do negócio lá tá complicada viu?
Vanderléia — É eu, eu…
Pavan — Pior do que tu imagina viu e acho que tem que ter o cuidado por que vai envolver prisão no negócio aí.
Vanderléia — Aham… (..)
Pavan — Levei um “pito” violento…
Vanderléia — Aham…
Pavan — Levei um “pito” violento da Polícia Federal…
Vanderléia — Aham… É, e todas essas informações eram coisas que nós desconhecíamos aqui também.
Pavan — Sim. Eu tô dizendo pra você por que tá tudo…
Vanderléia — Aham…
Pavan — Tudo grampe… tudo… tem ligações minhas no telefone tudo e coisa…
Vanderléia — Aham…
Pavan — Tua também deve ter.
Vanderléia — É com certeza! (…)
Pavan — A sonegação foi… tudo, tudo já… tudo, tudo… Vai fechar mais de trinta empresas. Vai fechar. Mais seis serão fechadas.
Vanderléia — Aham…
Pavan — Tudo o… monitorada… todos chefões… é tudo no álcool agora…
Vanderléia — Aham…
Pavan — E… Eles só não foram pegos ainda por que a gente segurou o negócio.
Vanderléia — Aham… aham…
Pavan — Tá. Pedi… Hoje passei o… o maior “pito” da história minha. Ministério Público, Polícia Federal. Fui questionado.
Vanderléia — Aham…
Pavan — Chama os caras e…
Vanderléia — Sim senhor! (..)
Pavan — Então… Só tô falando pra ti porque o pagamento sai tá?
Vanderléia — Não. Sim senhor! …vou… ligar…
Pavan — Hoje eles levaram todas as documentações, toda pra Itajaí, levaram tudo…
Contraponto
Para o advogado do vice-governador Leonel Pavan, Cláudio Gastão da Rosa Filho, o relatório da Polícia Federal é parcial, pois omite todas as escutas que inocentariam o vice-governador.
Segundo o criminalista, as conversas transcritas não retratam a realidade das informações que a PF e o Ministério Público até então vinham divulgando. Gastão da Rosa afirma que teve acesso a diversas escutas telefônicas captadas que mostram o vice-governador questionando a empresa e que não foram anexadas ao inquérito. De acordo com ele, todo este material foi juntado à defesa.
— O que as escutas mostram é que o vice-governador foi procurado por uma empresa que alegava estar sofrendo uma perseguição de fiscais da receita. Além disso, o pedido que foi feito ao vice-governador foi somente que o Estado aceitasse o parcelamento da dívida. O que o vice-governador fez foi checar com a Secretaria da Fazenda se havia a possibilidade de parcelar o débito. A partir do momento em que ele constatou que a empresa tinha problemas com o Ministério Público, ele se afastou do caso.
Uma das principais linhas da defesa é que não há qualquer gravação de Pavan falando sobre recebimento de dinheiro ou qualquer outra vantagem. O que há, segundo o advogado, são terceiros falando sobre o vice-governador.
Gastão afirma que tanto as escutas quanto as imagens (publicadas pelo Diário Catarinense) são provas frágeis, pois em nenhum momento incriminam o vice-governador. O advogado de Pavan disse que questionou a PF pelo uso de imagens do circuito interno do Aeroporto Hercílio Luz.
— A reposta da PF foi de que o equipamento dos policiais federais não funcionou na hora.
DIÁRIO CATARINENSE