Uma escola particular conveniada com a Prefeitura de Balneário Camboriú está no centro de um escândalo após acusações sérias de submeter crianças a tratamentos abusivos. As denúncias, divulgadas pelo portal Click Camboriú, levantaram preocupações sobre o bem-estar dos 51 alunos atendidos através do convênio municipal.
A investigação foi deflagrada por funcionários da instituição, que forneceram registros fotográficos e vídeos das alegadas deploráveis condições sanitárias do local.
As denúncias incluíram:
- Má qualidade da merenda: fotos e vídeos feitos pelas funcionárias mostram jarros de liquidificadores e canecas com uma substância descrita como “Nescau água suja”, que seria uma mistura de água com cacau.
- Presença de insetos na comida: insetos foram encontrados em panelas de comida, um indicativo claro de negligência sanitária.
- Alteração de produtos: funcionários alegam que a carne moída era retirada da embalagem original e que a data de validade era modificada.
- Quarto do castigo: uma área apelidada de “cantinho do castigo” ou “quarto do pensamento” foi revelada, levantando questionamentos sobre métodos disciplinares aplicados às crianças.
Após a publicação da matéria intitulada “Denúncia de maus-tratos em creche conveniada à Prefeitura está sendo apurada“, pais e familiares dos alunos contemplados pelo convênio começaram a relatar uma série de problemas que vinham ocorrendo na creche.
Menino apanhava com colher quente
Pais e familiares de alunos relataram sobre o comportamento dos filhos, bem como detalhes do que aconteceu durante e após as denúncias. O relato mais chocante foi feito através de áudio gravado pela mãe de um ex-aluno de 4 anos, que tinha apenas 3 anos quando ocupava a vaga do município na escola. No áudio que a mãe gravou entrevistando seu filho, o menino revela que apanhava com uma colher quente e ficava no quartinho de castigo.
A mulher relata que tem fotos dos machucados que o menino obtia na escola. Ela conta que o filho tem traumas por causa dessa creche, e somente agora, que deixou a instituição, consegue contar o que acontecia lá. Segundo a mãe, ela perdeu o emprego porque sempre chegava atrasada, pois a criança se agarrava nela e não queria entrar na creche de jeito nenhum. Ela ainda conta que a criança menciona, além dos episódios que a dona da creche batia nele com uma colher quente, que a mulher fazia ele tirar a fralda à força e que ela gritava nos ouvidos dele. “Hoje não podemos falar alto perto dele, que ele fica nervoso de tanto que a diretora gritava nos seus ouvidos. Ele reclama muito de dor nos ouvidos. Eu acho que ele ficou meio surdo”, desabafa a mãe.
Ainda de acordo com a mãe, o menino não pode nem ver a foto da dona da escola: “esses dias apareceu uma foto dela no meu Facebook e mostrei pra ele, que ficou irritado, nervoso e saiu de perto, falando ‘não, mamãe, não’. Ele sempre dizia que ficava sentado numa cadeira na sala da dona da creche e chorava muito. Creio que era nesse local que ela batia nele”.
A mãe conta que só tirou criança da creche porque acabou sendo demitida e ficou sem trabalho, e não tirou antes pois não tinha certeza se era verdade o que ele contava, sendo sempre desmentido pela dona da creche, que dizia que as crianças inventam muitas histórias.
Ainda de acordo com ela, em toda comemoração que a escola realizava, a direção pedia para os pais levarem os ítens para a realização da festa, sendo que no contrato com a prefeitura diz que elas não podem pedir nenhuma contribuição.
Mais denúncias
Outra mãe conta que desde que sua filha entrou na escola, ela nunca mais dormiu direito à noite. A menina só queria ficar no colo, e quando colocavam ela no berço, começava a chorar. A mãe conta que nesse período a criança estava sob investigação de autismo, e todos seus sintomas foram aflorados quando ela entrou na creche. A dona da creche sempre insistiu que a criança não tinha autismo e, mesmo após a mãe levar o laudo, a proprietária insistiu que a criança não precisava de professor de suporte. A mãe conta que a dona sempre desacreditava do autismo da criança e não levava a condição a serio.
Essa mesma mãe conta que as professoras do local tinham muito medo da dona da creche, principalmente as crianças. Sua filha também não podia ouvir o nome da mulher, pois urinava nas calças e começava a se tremer toda, pois sentia muito medo. “Teve um dia que eu cheguei atrasada para buscar minha filha e ela estava chorando cianótica. Então eu perguntei o que havia acontecido e a diretora disse que ‘ela é assim, ela começa a chorar do nada’. Eu falei que a minha filha nunca começa a chorar do nada, que alguma coisa havia acontecido. E depois desse dia ela começou a me tratar super bem, pois ela sabia que percebi que alguma coisa de errado estava acontecendo”, conta.
E não parou por aí: “Minha filha chegava com fome e sede, e a gente reparava que ela não comia na creche, mas por ser autista, pensávamos que era por conta da seletividade alimentar”. Também relata sobre as descobertas que fez: “Agora conversei com uma das professoras que fez a denúncia e ela garantiu que a proprietária pegava todas as crianças a força, pelo braço, levava pro cantinho e deixava de castigo, inclusive a minha filha. Se a minha filha fizesse qualquer coisinha de errado, ela já pegava levava ela pro cantinho, deixava de castigo lá chorando. Tem relatos que ela deixava presa em um quarto escuro, que eu também acredito que a minha filha tenha passado por isso, pois ela chorava muito na hora de dormir. Eu acredito que ela passava por muito pressão psicológica ali”.
A mãe também conta que de acordo com as professoras denunciantes, que quando a vigilância sanitária chegava na creche, a proprietária via pelas câmeras e demorava um pouco pra atender. Após atender, chamava os fiscais para o escritório e demorava tempo suficiente para as funcionárias arrumarem todas as coisas na cozinha. Nossa reportagem tentou confirmar essas informações, porém não obtivemos resposta.
Agressões e mentiras
Uma terceira mãe relata que seu filho levou um tapa de uma professora, na cabeça: “Quando ele saiu da aula, meio dia, perguntei se ele havia almoçado, e ele falou que não e começou a chorar. Então eu perguntei para ele o que havia acontecido, e ele falou que uma professora havia batido na sua cabeça porque ele havia derramado comida.”
Apesar de não ter provas, ela diz que optou por tirar a criança da escola pois, dois meses antes, ocorreu um fato que já havia “ligado seu alerta” sobre a direção da escola ter faltado com a verdade: seu filho chegou em casa contando que um menino com autismo havia caído e cortado a boca, sendo atendido pelo SAMU. A diretora negou que o fato ocorreu e chamou o menino de mentiroso, mas dias depois um vizinho da escola confirmou o que a criança contou.
Mudança de comportamento
Crianças mudaram seu comportamento após frequentar a escola denunciada. É o que constata uma mãe, que observou seu filho apresentando várias mudanças de comportamento, como medo, retração, agressividade, choro sem motivo aparente, irritação, não dorme direito, tem pesadelo, falta de apetite, falta de interesse pelos brinquedos e brincadeiras que antes amava. Quando brinca, emite palavras agressivas como: ‘cala a boca’, ‘você vai ficar de castigo’, ‘vai pro canto do pensamento’, ‘para de chorar ou você não vai comer o lanche’, ‘não quero ouvir mais um pio’, ‘se você chorar a sua mãe não vem te buscar’. A mãe conta que tentou tirar a criança da escola em duas ocasiões informando o motivo para a responsável, que sempre dava um jeito de convencê-la a permanecer com a criança na escola.
Uma tia relata algo semelhante sobre outra aluna. Ela conta que a família não tem certeza se fizeram algo com sua sobrinha, pois a criança é pequena e não fala. “Ela está muito diferente, chora muito com medo do escuro”, conta a tia.
Medidas e investigação
Assim que a denúncia veio à tona, a Secretaria de Educação emitiu uma nota relatando que o repudia qualquer tipo de violência e que está apurando e ouvindo todos os envolvidos. Na segunda-feira (30), a Secretaria de Educação esteve reunida com os pais e foi apresentada a opção de trocar os alunos de escola, sendo que os pais uninamente optaram pela troca. De acordo com a prefeitura, todos os alunos foram realocados para a escola Anglo, também conveniada a prefeitura.
Na noite de segunda-feira, em uma reunião realizada com os pais dos alunos contemplados com o convênio da prefeitura, a direção da escola alegou que as provas foram plantadas e que a escola é inocente. Tivemos acesso a um trecho da reunião, onde uma mulher explicou que a escola está se defedendo das denúncias.
De acordo com o secretário de educação, Marcelo Achutti, o caso está sendo investigado pelo Ministério Público. Apesar de já ser de conhecimento público, por ora, para não cometer injustiças, o Click Camboriú manterá o nome da creche preservado até que as denúncias sejam investigadas e confirmadas.
Convênio
A escola recebia R$ 1.360,00 por criança, totalizando R$ 60.360,00 por mês para atender 51 crianças. O valor inclui apostila, alimentação, uniforme, passeios, entre outras despesas. O voucher, que contempla crianças de 0 a 3 anos, é uma iniciativa da prefeitura municipal de Balneário Camboriú, desde 2017, para diminuir o número de crianças da fila única e reduzir despesas com educação.